terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Conto de Natal (atrasado)

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E eis que no dia 24/12, eu estava no telefone falando com a minha tia Kiyomi, quando a minha mãe liga desesperada no meu celular e diz aquelas três palavrinhas mágicas que fazem meu couro cabeludo arrepiar:
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- Seu pai engasgou.
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Ai misericórdia, que o fofo do meu pai me engasga bem na véspera de Natal!!!
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E vamos nós correndo pro Pronto Socorro do Hospital das Clínicas (que eu conheço muito bem porque fiquei um ano inteiro lá, não que eu tenha sido internada. Fiz meu aprimoramento lá...mas, essa história fica pra próxima).
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E meu pai com aquela cara de kurushiiii (que significa "tô sofrendo", em japonês).....coitado.
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O PS do HC foi todo reformado e está super bonito. Nem reconheci. E também não reconheci o cheiro. Quando eu estudava lá, eu sentia o cheiro sufocante de sangue, dejetos humanos, remédios e comida.
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Nos atenderam super bem. Meu pai na maca. Minha mãe aflita. E eu comendo a alça da bolsa.
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Não é a primeira vez que isso acontece. A gente está acostumado. Há 7 anos , meu pai teve câncer e teve que tirar parte do esôfago e do estômago, e desde então ele tem dificuldade em engolir a comida. Isso não seria problema se ele MASTIGASSE a comida. Mas, como todo japonês taff-guy-samurai-do-entardecer, ele não mastiga a comida. Pra ele, isso é coisa de gente que não tem mais o que fazer. Ele engole e pronto. Como faz o Alien, em Aliens x Predador 2. Vocês acham que o Alien mastiga a comida dele? Que nada, ele engole e pronto (e duvideodó que o Alien já teve que ir pro PS do HC....).
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Bem, de qualquer forma, ele consegue respirar (meu pai, não o Alien..), não é que ele sufoca, mas a comida fica parada no esôfago, o que causa uma sensação muito ruim.
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E eu gosto dos médicos do HC porque eles não tem medo. Se fosse um hospital particular, eles deixariam o meu pai por umas 8h de sofrimento, até digerir toda a comida, porque eles não fazem endoscopia com medo de que haja uma aspiração. Mas, os doutores do HC são macho. E meu pai adora isso.
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E lá foram fazer a tal da endoscopia.
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Depois de meia hora de espera, sai o meu pai da sala de endoscopia, com o médico que me entrega num saquinho trasparente o que estava entalado no esofâgo do meu pai:
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UM PEDAÇO DE COURINHO DE PORCO de aproximadamente 1 cm² !!!
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Sabe courinho de porco, tipo pururuca, mas que foi colocado na feijoada e estava mole e grudento? E sem uma marca de dente, sem sinal de que havia sequer sido mal mastigado.
Bem, o médico deu a sua bronca e ficamos aguardando no corredor até ele dar a alta.
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Enqüanto aguardávamos, meu pai disse:
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- Tassukáta (algo como, ai que alívio, fui salvo, renasci, tenho agora uma nova chance....).
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Não é fácil pra mim, ver meu pai nessa situação. Apesar de eu ser a que banca a forte, na família, não é fácil pra mim, eu ter que ver, seja meu pai, seja minha mãe, em situação de fragilidade e vulnerabilidade. A gente simplesmente não quer ver isso. Nessas horas, eu gosto de lembrar, como se faz na Constelação familiar, de que eu sou a pequena, e eles são os grandes. Isso de alguma forma, me reconforta.
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Na volta, como de praxe, ele me prometeu que vai comprar um carro novo. Ele sempre faz isso. Toda vez que ele passa mal, e a gente corre pro hospital, na saída ele sempre promete algo: um carro novo, uma TV, uma geladeira....e cumpre. É o jeito dele agradecer, sei lá.
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Esse é meu conto de Natal: um pai que não mastiga a comida, um pedaço de courinho de porco, uma mãe aflita, uma corrida pro HC, o alívio, e a certeza de que, aos trancos e barrancos, somos uma família.
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2 comentários:

Mina disse...

Bonito Érica, não o seu pai engasgando mas o seu olhar, a sua reflexão sobre a sagrada família de todo dia.
Ah, e tomara que ele não esqueça o "agradecimento" motorizado,he,he,he..

erica disse...

Pois é, Mi. Eu também espero que ele se lembre...
Graças a Deus, apesar da saúde frágil, pelo menos a memória dele é boa....huahuahua